Pular para o conteúdo principal

Os Incels Nasceram do Liberalismo Iluminista.

 Embora critique a cultura incel focada em aparência e niilismo (conhecido como positivismo antropocêntrico), a esquerda/direita liberal falha em desmistificá-los, apelando a assimilações distorcidas. A misoginia não se encaixa na lógica formal, e os incels, longe do extremismo clássico, surgem da própria degeneração sexual liberal e do relativismo existencialista. Para evitar a responsabilidade, a esquerda/direita os rotula enviesadamente. Além disso, essa história de incelismo é somente mais uma mecânica dos Estados Unidos, como sempre.

O termo incel (involuntariamente celibatário) é recente, mas o problema que ele representa é antigo: a dissociação entre o desejo e o sentido do desejo. No mundo moderno, o sexo foi completamente separado de seu contexto ético e metafísico — tornando-se mera troca simbólica, consumo e desempenho. Isso é consequência direta do liberalismo individualista, que dissolve todas as formas tradicionais de autoridade moral (família, religião, lei natural). O corpo torna-se mercadoria e o desejo, moeda. O incel é o produto terminal de uma cultura que absolutizou o desejo e destruiu o sentido do vínculo.

A esquerda liberal, presa ao discurso de “inclusão” e “expressão individual”, não consegue compreender o fenômeno incel senão por dois caminhos: ou patologiza (chama de doentes mentais e misóginos), ou moraliza (chama de fascistas).
Ambas as reações são superficiais, ao ignorarem que o incel não é o oposto do liberalismo, mas sua consequência. O incel é o resultado de um sistema que promete liberdade sexual absoluta, mas entrega solidão e alienação emocional. O mesmo mercado que vende liberdade sexual também cria uma hierarquia estética e econômica néscia — em que poucos têm acesso e a maioria é descartável.

O liberalismo sexual, ao prometer emancipação, destruiu o conceito de sacralidade do corpo e da união.O que restou foi o fetiche da aparência e o culto do prazer como medida de valor, uma forma de positivismo biológico: o corpo como máquina, o sexo como função. Daí a origem do niilismo incel: o indivíduo percebe que, nesse sistema, o amor não existe — somente o valor de mercado do corpo. É uma reação desesperada a um sistema sem transcendência, que substitui o vínculo espiritual por algoritmos de desejo (redes sociais, pornografia, aplicativos).


O erro da direita liberal e o falso moralismo

A direita liberal também não compreende o incel. Tenta “corrigi-lo” com moralismo de autoajuda (“melhore-se”, “trabalhe mais”, “seja confiante”), reproduzindo a mesma lógica meritocrática do mercado. Mas isso é inútil, porque o problema não é psicológico, é ontológico. O incel representa a falência do ideal liberal de autoaperfeiçoamento — a ideia de que o indivíduo é um projeto autônomo capaz de conquistar tudo pela vontade.
Quando essa ilusão cai, o sujeito entra em desespero e percebe que, no fundo, não existe comunidade, somente competição e isolamento.

A origem norte-americana: o laboratório da degeneração

Os Estados Unidos funcionam como centro de incubação do liberalismo extremo — onde tudo se transforma em mercado, inclusive o afeto.
O “incelismo” é somente uma consequência sociológica inevitável num país que:

  • reduz o valor humano à produtividade e à imagem;

  • banaliza o sexo como desempenho;

  • dissolve laços comunitários em nome da “liberdade individual”;

  • e cria uma cultura digital que amplifica a solidão.
    Essa mecânica depois é exportada ao resto do mundo, com o modelo econômico e cultural americano.
    Por isso, o fenômeno incel não é “universal”, mas ocidental-liberal, enraizado na cultura anglo-americana da autonomia radical.


    A misoginia, no discurso incel, é sintoma de frustração existencial, não o núcleo do movimento.
    O incel não odeia mulheres porque é misógino, mas porque projeta nelas a própria impotência diante do sistema que as transformou em árbitras do desejo. O ódio é dirigido ao espelho da própria exclusão: a mulher contemporânea, como produto do liberalismo sexual, é o símbolo da liberdade que o incel não possui, ou seja: a misoginia é a sombra do liberalismo sexual.

    Referências sugeridas:

  • Christopher Lasch — A Cultura do Narcisismo

  • Zygmunt Bauman — Amor Líquido

    Lasch escreveu A Cultura do Narcisismo em plena virada neoliberal nos Estados Unidos. Ele observou que a sociedade americana havia substituído o ideal clássico de virtude e dever — baseado em família, comunidade e transcendência — pelo culto à autoimagem e ao prazer instantâneo.
    Para ele, o indivíduo moderno se tornou narcísico, não no sentido mitológico de amor próprio, mas de carência permanente de validação.

    “O eu moderno vive em permanente oscilação entre grandiosidade e autodepreciação.”
    (Lasch, A Cultura do Narcisismo)

    O incel se encaixa exatamente nessa oscilação: ele oscila entre a crença de que merece amor (por ter “boas intenções”) e a certeza de que nunca o terá (porque o sistema o rejeita esteticamente). O incel é o retrato final do homem narcísico descrito por Lasch. Ele vive voltado para a própria imagem e para o olhar do outro, medindo seu valor por critérios externos — beleza, sucesso, desempenho, “atratividade”.

    Zygmunt Bauman — Amor Líquido (2003)

    Bauman, em Amor Líquido, diagnostica a fragilidade dos laços humanos na modernidade líquida.

    Enquanto Lasch fala da psicologia do narcisismo, Bauman fala da sociologia da desconexão: vivemos numa era em que todos buscam relacionamentos, mas têm medo da durabilidade, do compromisso e da dor.

    “Os relacionamentos são buscados por prazer, mas temidos por responsabilidade.”
    (Bauman, Amor Líquido)

    A liquidez é a dissolução de tudo o que exige permanência — inclusive o amor.

    No contexto incel, o amor líquido é levado ao extremo: o sujeito quer vínculo, mas vive em um sistema que só oferece consumo afetivo. Bauman descreve perfeitamente o cenário dos aplicativos de namoro e da “mercadoria emocional”: o indivíduo desliza sobre imagens, descartando pessoas como produtos.

    “Na rede, você pode apagar o outro sem consequências. Na vida real, o outro resiste.”
    (Bauman, Amor Líquido)

    Assim, o incel não é o contrário do mundo líquido — é o seu produto mais coerente. Ele encarna a solidão que a modernidade prometeu curar, mas somente multiplicou.



Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Raiz da crítica: o Iluminismo e a fragmentação da unidade

 O iluminismo, apesar de se apresentar como o “triunfo da razão”, na verdade dissolveu o princípio de unidade que sustentava a ordem cósmica e moral. Ao deslocar a fonte do Bem do Absoluto para o sujeito humano, o pensamento moderno operou uma inversão ontológica: o homem deixou de participar da ordem divina para se tornar o seu próprio legislador. Esse processo culminou no positivismo jurídico e na ideia de “contrato social”, onde a lei é produto do consenso humano, e não reflexo da ordem universal. Em termos judaicos, isso equivale a romper com o fundamento da Torá como expressão da vontade divina — substituindo o mandamento (mitzvá) pela convenção. A democracia moderna, sob o manto da liberdade, legitima a autonomia da vontade humana como critério moral, o que é precisamente o que Aristóteles e os profetas condenariam: a multiplicidade de fins desconectados do Uno. Tanto Aristóteles em sua Metafísica quanto os grandes pensadores judaicos — Maimônides, Saadia Gaon, Yehuda H...